Habitualmente negócios são fragilizados e inviabilizados pela “INSEGURANÇA JURÍDICA” presente em todas as esferas da sociedade em nosso país.
“Mudar a regra no meio do jogo”, além de ser deselegante, desleal, arbitrário é odioso é uma realidade que vem ocorrendo no cotidiano brasileiro.
Fato é que de acordo com conveniências políticas, econômicas ou financeiras, são editadas leis, decretos, medidas provisórias, resoluções ou instruções normativas sem qualquer base constitucional e sem a devida clareza, conduzindo interpretações e entendimentos diversos.
Tornamo-nos uma nação, cujas questões de relevância social e econômica foram entregues à interpretação do Poder Judiciário que, na prática, vem exercendo a função legislativa e orientando o executivo a “percorrer” o caminho da legalidade, o que chamamos de judicialização, que nada mais é do que o uso “predatório do Judiciário”.
Todavia, esse mesmo Poder Judiciário tem se mostrado absolutamente fragilizado, não apenas pela morosidade falaciosamente justificada pelo excesso de demandas, mas pelo próprio arbítrio em questões que são decididas de acordo com a preferência pessoal de magistrados e, muitas vezes, refletem interesses governamentais ou corporativos, sobrepondo-se aos direitos individuais, coletivos e também das empresas.
Recentemente o Ministro Luís Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça, deu entrevista ao Estadão , cujo título foi “Sem políticas efetivas, vamos cair num atoleiro”, e ressaltou o fato de os juízes de primeiro grau dedicarem pouco tempo para pesquisa e praticamente tempo algum para precedentes judiciais, na medida em que apenas despacham processos e atendem advogados. Salienta ainda a importância de se seguir precedentes, porém, tal comportamento seria um processo longo e cultural, diante da autonomia que o magistrado tem de decidir.
Apesar da realidade das palavras do Ministro, o meio jurídico tem observado que as próprias decisões e súmulas oriundas do Superior Tribunal de Justiça têm sido exemplos de Insegurança Jurídica, na medida em que são alteradas pelos seus próprios pares e, muitas vezes, pelo Supremo Tribunal de Federal, gerando enorme insegurança, em especial no Setor Elétrico Brasileiro.
Nessa seara (energia elétrica), não são poucos os assuntos que refletem Insegurança Jurídica, sobretudo, no que tange os consumidores finais de energia.
SÚMULA 391 STJ – NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A DEMANDA DE POTÊNCIA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA
Podemos citar o entendimento unânime do Superior Tribunal de Justiça, ao editar, em 07/10/2009, posição consagrada na Súmula 391 STJ , concluindo que o ICMS não pode ter como fato gerador a mera disponibilização de energia estabelecida nos contratos com médios e grandes consumidores, mas sim o consumo efetivo, ou seja, o tributo estadual não poderá incidir sobre a “Demanda Contratada e Não Utilizada”.
A partir da edição da Súmula 391 STJ, não poucos consumidores moveram ações em todo o país, mediante a segurança refletida no entendimento uníssono do Superior Tribunal de Justiça, de maneira que muitos obtiveram êxito, como não poderia ser diferente, e fizeram jus à repetição do indébito.
Ocorre, entretanto, que em 21/10/2016 o Ministro Edson Fachin (STF) determinou a SUSPENSÃO, em todo território nacional, dos feitos que discutem a incidência do ICMS sobre a “Demanda de Potência Contratada e Não Utilizada”, cuja Repercussão Geral já havia sido reconhecida desde 02/08/2009 pelo Supremo Tribunal Federal – “Tema 1763”.
Nessa toada, observa-se que o entendimento uníssono do STJ, que perdurou de maneira sólida e orientou as decisões de todo país durante exatos sete anos, simplesmente foi subjugada pela Suprema Corte, informando a todos os consumidores que tal questão poderá ser alterada, ou seja, o direito que lhes havia sido legitimado, poderá não mais existir.
Mais uma vez a classe dos operadores do direito, juristas, empresas e o próprio cidadão (consumidor final de energia elétrica) estão se deparando com situação de enorme “Insegurança Jurídica”, uma vez que a decisão que virá do STF, como várias outras, terá um viés político ou corporativo.
Não bastasse a vulnerabilidade lançada sobre os consumidores, oriunda do próprio Poder Judiciário, o Governo do Estado de São Paulo, no âmbito de suas prerrogativas legislativas, em 21/12/2018 publicou a Lei Estadual Paulista nº 16.886/2018 , incluindo o parágrafo único ao artigo 4º da lei em vigor (6.374/89), estabelecendo que “… não será exigido o recolhimento do imposto relativamente ao valor que corresponde à parcela referente à demanda de potência não utilizada pelo consumidor.”
Isto significa que no Estado de São Paulo a controvérsia estaria resolvida? Muito pelo contrário! Dependendo do entendimento da Suprema Corte, a referida lei, que já está em vigor, poderá ser declarada ilegal ou inconstitucional, cuja declaração provavelmente teria efeito ex nunc, estabelecendo-se mais uma vez situação de iminente “insegurança jurídica”.
No meio dessa tempestade jurídica está o consumidor final, que, aliás, sempre paga a conta.
– ICMS SOBRE TUSD/TUST E CDE
Não menos importante, tratando-se de Insegurança Jurídica, vale lembrar das questões inerentes à incidência do ICMS sobre a TUSD – Tarifa de Utilização do Sistema de Distribuição e TUST – Tarifa de Utilização do Sistema de Transmissão, bem como a alteração das finalidades e elastecimento da CDE – Conta de Desenvolvimento Energético, por meio de Decreto Presidencial.
A primeira questão, partiu do próprio STJ, quando a Primeira Turma ousou divergir, por apertada maioria, entendimento consolidado sobre a não integração da TUSD e TUST na base de cálculo do ICMS no consumo de energia elétrica, uma vez que o fato gerador deverá ocorre apenas no momento em que a energia saia do estabelecimento do fornecedor e seja efetivamente consumida, criando celeuma nacional .
Tentando amenizar a polêmica instaurada pelos seus próprios pares, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em menos de um mês reiterou o entendimento e julgou o Resp nº 1.649.658 – MT (2017/0013910-3), por unanimidade, ressaltando três pontos essenciais:
a) A preservação do arcabouço normativo sobre o qual se consolidou a jurisprudência do STJ;
b) Ausência de significativa alteração no contexto fático que deu origem ao precedente consolidado;
c) E, de maior relevância, pelo menos no que tange ao objeto deste artigo, destacou não parecer recomendável tal guinada, por respeito aos princípios da SEGURANÇA JURÍDICA, da proteção da confiança e da isonomia.
Interessante é o fato de o próprio STJ preocupar-se com a Segurança Jurídica e “proteção da confiança” e, por outro lado quebrar entendimento consolidado, causando desconforto em todos os tribunais estaduais e consequentes incertezas a todo consumidor de energia no país.
A segunda questão é a CDE – Conta de Desenvolvimento Energético, um dos principais Encargos Setoriais na composição da tarifa de energia elétrica. Em obediência à Constituição Federal, foi criada especificamente por lei, e, portanto, votada e aprovada pelo Congresso Nacional.
Contudo, a CDE foi alterada via Decretos Presidenciais, os quais alteraram e elasteceram suas finalidades, tornando parte de sua cobrança absolutamente ilegítima desde 2013, sendo inserida no rol das ilegalidades e incertezas ocorridas no setor elétrico brasileiro.
A Presidência da República, na ocasião, acrescentou às finalidades da CDE (criada por lei), dentre várias outras, o custeio das obras de distribuição de energia dos prédios construídos para as Olimpíadas, a fim de obedecer aos requisitos e regras definidas pelo COI – Comitê Olímpico Internacional.
Pensar que teria havido um esquecimento por parte da Presidência da República, no sentido de que um simples decreto poderia modificar ou ampliar os limites de uma lei, seria no mínimo pueril.
Trata-se de vontade arbitrária, ilegal e imoral imposta pelo Poder Executivo, onerando indevidamente o consumidor final que, de mãos atadas, assiste mais uma vez a prática de abuso de poder.
O raciocínio exposto no presente artigo ponderou matérias voltadas ao consumidor final, sem desconsiderar que a Insegurança Jurídica está inequivocamente presente nas relações jurídicas e comerciais do SEB – Setor Elétrico Brasileiro, estabelecidas desde a geração, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica.
Não resta dúvida que toda questão ligada à Insegurança Jurídica, em nossa nação possui absoluto reflexo cultural e, portanto, sua solução ocorrerá a longo prazo. Outrossim, podemos, desde já, lançar a semente da legalidade, isonomia, moralidade, desburocratização, ética, respeito e SEGURANÇA nas relações jurídicas firmadas em toda cadeia de energia elétrica no Brasil.
Reinaldo Azevedo da Silva, advogado, palestrante, consultor em Gestão Tributária em Energia Elétrica e Eficiência e Independência Energética, sócio idealizador do Direito Inteligente.